segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Os Amores de Carla Pedro




Discurso Directo
Os Amores de Carla Pedro


texto publicado na revista Animalia
http://www.animalia.pt/

2008-08-20
jornalista, adora ler e escrever e os animais são uma das suas gr
andes paixões.A fotografia e o cinema também fascinam Carla Pedro, que nasceu em Lourenço Marques (actual Maputo) - Moçambique. Carla fala-nos, neste Discurso Directo, do grande afecto que dedica aos amigos de quatro patas que têm passado pela sua vida.
Os meus amores
"Quando começo a pensar nos animais que tive, fico com os olhos inundados de lágrimas. São lágrimas felizes por todas as coisas boas que vivemos juntos, mas fico sempre com um nó na garganta pelos que já não se encontram junto a mim. Tive hamsters, um esquilo, peixes, gatos, tartarugas e cães. Mas é sobre os meus cães que gostaria de falar.
Nasci em África e apesar de ter vindo para Portugal com 6 anos, recordo-me bem de sempre ter vivido rodeada de cães. Em Lisboa, vivíamos com os meus avós e apesar de termos quintal, eles não queriam animais, por isso durante alguns anos vi-me privada dessa partilha. Mas um dia lá levei a melhor e o Rex entrou nas nossas vidas. Um cãozito preto muito desconfiado e com mau feitio, mas que sempre adorei. Um dia resolvi que ele havia de falar ao telefone com os meus pais... e levei uma ameaça de dentada. Resolvi que nunca mais o obrigava a falar ao telefone! Partiu com 6 anos e foi assim que fiz o primeiro epitáfio para um cão meu, com um pensamento que li algures e que sempre me tocou muito: ‘Os mortos só estão mortos quando morrem no pensamento dos vivos’.Quando o Rex partiu, pouco depois chegou o Rossi. Depois de termos tido um cão, já ninguém se negava a que voltássemos a ter outro. Também era medroso e desconfiado. E pequenito, com os dentinhos inferiores de fora. Era muito nervoso também, pois tinha sido um pouco maltratado. Eu chamava-lhe o meu belfo taquicárdico : )Com ele vivi grande parte da minha idade maior. Teria uns 18 ou 19 anos quando ele apareceu na minha vida. Foi um companheirão. Rosnava a muita gente – pois, tinha mesmo mau feitio – mas entre mim e ele sempre houve uma grande cumplicidade. Muitos desabafos ouviu ele : ) O Rossi partiu com 12 anos, a roer um osso. Não sofreu, mas doeu-nos muito. Fica sempre um vazio cá dentro, que nunca será preenchido, quando um amigo parte.
Depois casei. E foi então que pela primeira vez tive um cão que dependia inteiramente de mim, já não eram os meus pais a tratar de tudo. Calhou ser uma menina. Chamámos-lhe Maria Papoila e era dócil, meiga e brincalhona... uma alegria entrada nas nossas vidas em Março de 2002.
Quando me divorciei, a Maria andou tristinha. Ficámos só as duas. Nesse ano, muitas coisas menos boas aconteceram na minha vida e a Maria foi a minha eterna e paciente companheira de lágrimas. Mas também de muitos sorrisos. Não sei quantos comandos de TV tive que comprar, não sei quantas meias ‘devorou’, mas sei que gosto de olhar o buraquinho no chão que tenho num cantinho da sala e recordar-me que foi a minha Papoilita que o fez.
Estava sempre a inventar, esta menina. Uma das brincadeiras preferidas dela era que atirássemos uma bola para o quintal e nos escondessemos enquanto ela ia buscá-la. Depois lá corria ela a casa toda à nossa procura, de bola na boca, para recomeçarmos a brincadeira : ) Eu chamava-lhe a minha amôra.Quando a Maria tinha 2 anos, apareceu a Eva... uma menina linda que foi encontrada abandonada. Ofereci-me como família temporária de acolhimento enquanto não se arranjava um dono. Mas ela era tão dócil, tão carente... que me cativou de imediato e já não a deixei sair de cá de casa, mesmo quando recebi telefonemas de pessoas interessadas em adoptá-la. Eu adoptei-a primeiro : )
As coisas foram correndo bem nesta nossa animada vida a três e em Janeiro de 2005 aparece a Ginja... uma menina linda e medrosa que o meu ex-marido encontrou atropelada na estrada no 1º dia do ano. Telefonou-me sem saber o que fazer, fomos com ela ao hospital veterinário, estava tudo bem, ‘apenas’ tinha a bacia e o fémur bastante partidos. Responsabilizei-me por ela e três operações mais tarde, a Ginja já corria pela casa e ladrava – de início nem abria a boca. Demorou muito tempo até que a Ginja recuperasse a confiança (se é que alguma vez a teve) nas pessoas. Sempre que eu recebia amigos, ela fugia para um canto e ficava a tremer o tempo todo. Mas agora já sabe que aqui não lhe vai acontecer nada de mal e até já ladra às visitas quando elas chegam : ) É das melhores sensações que já tive: devolver a confiança a um animal que já sofreu, vê-lo a ressonar enquanto dorme, sem receio que nada de mau lhe aconteça.
No mesmo ano em que chegou a Ginja, a Maria adoeceu. Teve uma doença nos intestinos (intestinal bowel disease) e tudo o que comia simplesmente não era absorvido pelo organismo. Passou de quase 50 quilos para 20 e pouco. Partiu no último dia do ano e as passagens de ano nunca mais tiveram o mesmo sabor para mim. Ela morreu de inanição, no fundo. Nessa noite, quando cheguei do emprego, ainda pegou num pano da cozinha para me desafiar a brincar com ela. Adorava que eu agarrasse numa ponta, ela ficava com a outra dentro da boca e puxava, puxava, toda feliz! Consola-me pensar que não sofreu. Mas foram seis meses de luta inglória e partiu a 26 dias de completar 4 anos. Tinha tanto ainda para viver, tínhamos tanto para partilhar...
Este ano, no dia de Carnaval, a Eva paralisou das patas traseiras. Ela devia ter cerca de 7 anos, pois quando a adoptei em 2004 ela teria, pelos cálculos feitos pelos vets, cerca de 4 anos.Levei-a para o hospital, onde foi operada. Mas não correu bem. Algo, que nunca me explicaram, correu mal. Quando veio para casa, paralisada e em mau estado, só pedia a minha atenção. Mesmo a sofrer, se eu estivesse por perto, ela acalmava. Então meti férias para poder ficar ao lado dela dia e noite. Foi uma das semanas mais tristes da minha vida. Quando senti que ela estava a piorar, resolvi pedir uma segunda opinião e levei-a a outro hospital veterinário. Lá, foi tratada com tanto amor e carinho que nunca esquecerei. Fica desde já aqui o meu eterno agradecimento a todos quantos cuidaram da Eva no Hospital Veterinário da Estefânia. Ainda fomos, a conselho do hospital, consultar um vet neurocirurgião... mas ele disse que a Eva nunca andaria. Eu andava à procura de preços de cadeiras de rodas para cães, pois o facto de ela não mexer as patas traseiras nunca para mim seria motivo para pedir que a eutanasiassem. Mas a minha Evita já estava com muitos problemas a nível orgânico, estava a sofrer, e a veterinária (obrigada por tudo) que a estava a acompanhar mais de perto disse-me que eu já tinha feito tudo o que era possível e que o melhor a fazer era dar-lhe descanso. Nunca esquecerei esse dia 3 de Março de 2008. Peguei-lhe na cabecinha, brinquei com ela enquanto levava a injecção, para não se aperceber de nada e não ficar nervosa. Ela estava muito abananada por causa da medicação para as dores e partiu em paz, sem se aperceber do que ia acontecer. Só quando partiu é que chorei tudo. Ainda não chorei tudo. Acho que nunca chorarei tudo.
Agora só tenho a Ginja, mas também fico com os cães dos meus pais quando eles vão algumas temporadas para fora, por isso esta casa continua a ser muito animada. Mas nunca esquecerei os meus queridos amigos que já partiram, alguns dos quais mereciam ter vivido muito mais.Resta-me o consolo de saber que fomos todos felizes juntos. Mas fazem-me falta todos aqueles amores tão únicos que recebi de cada um deles. Sinto falta de lhes dar também o meu amor. De os ver felizes. De nos ver felizes.Não queria que este meu depoimento sobre a minha relação com os animais fosse triste. É triste quando falamos da morte e ainda tenho tudo muito à flor da pele, mas a mensagem que gostaria de passar é que nunca devemos esquecer-nos de mimar os nossos animais, porque não sabemos se a companhia deles vai ser curta ou longa. Seja como for, que seja muito bom e que tenhamos a certeza que eles foram felizes ao nosso lado.Eu estou cheia de vazios cá dentro. Mas em cada vazio há uma moldura recheada de memórias. E a certeza que um dia os reencontrarei, para preencherem esta saudade tão grande que ficou".



http://www.animalia.pt/canal_detalhe.php?canal=DISCURSO_DIRECTO&id=305
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2 comentários:

Thor and Jack disse...

Lindo.

Thor

Anônimo disse...

Querida Náná, muitos miminhos foram trocados entre ti, a Maria e a Eva. Apesar do oceano de distância. Obrigada pela homenagem às minhas queridas aqui neste espacinho. Uma grande festinha para ti e um beijo aos amantes dos animais.